sábado, julho 08, 2006

Diário da República on-line gratuito

A partir do dia 1 de Julho de 2006 todas as consultas ao site do Diário da República passaram a ser gratuitas.
Mas não pensem que o principal objectivo do Governo é que os cidadãos tenham conhecimento das leis aprovadas...o que se pretende é "limitar a edição em papel" e, por conseguinte, poupar quatro milhões de euros.
Mesmo assim continua a ser uma óptima ideia (originalmente apresentada por Francisco Louçã).
Aproveitem...

Duração média dos processos findos nos Tribunais de 1.ª Instância (1996-2004)

Reparem que os processos laborais demoram, em média, 10 meses nos Tribunais de 1.ª Instância, continuando a ser dos mais céleres.
O maior problema são as execuções laborais mas aí a questão é outra...
Confirmem as durações.

Desperdício de papel?

RECTIFICAÇÃO 34/2006 - De ter sido rectificada a Declaração de Rectificação nº 29/2006, que rectificou a Portaria nº 405/2006, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que aprova o regulamento de extensão do CCT (...), in Diário da República de 26 de Junho de 2006.

Lei 9/2006 de 20.03.2006 (nova redacção do art. 12.º do Código do Trabalho)

1. Questão prévia I

É fundamental a distinção entre uma mera prestação de serviços e um contrato de trabalho.
Só um trabalhador munido deste último poderá usufruir das vantagens oferecidas pelo Código do Trabalho (CT), nomeadamente no que diz respeito à segurança no emprego, a subsídios, férias, licenças, despedimento, transferência do local de trabalho, limites de tempo de trabalho, etc. (entre muitos outros artigos, vejam principalmente o art. 122.º CT relativo às garantias do trabalhador; se nunca o leram, aconselho vivamente).
Assim, compreende-se por que é que a maioria das divergências entre entidade patronal e trabalhadores têm por base esta distinção.
O patrão deseja que o contrato seja uma prestação de serviços, pois não terá que dar qualquer satisfação para a sua cessação, ie, dispensando o prestador de serviços assim que entender.
O trabalhador quer que o contrato seja de trabalho, pois terá todos os benefícios do CT.

2. Questão prévia II

Não é preciso ter um papel escrito para se ter um contrato de trabalho (mais cedo ou mais tarde isto há-de entrar na cabeça de toda a gente).

3. Antiga presunção da existência de um contrato de trabalho

Quando o actual CT foi aprovado, o seu art. 12.º continha uma presunção de contrato de trabalho.
Resumindamente, se as várias alíneas deste artigo estivessem preenchidas, o contrato celebrado entre aquelas duas pessoas presumir-se-ia um contrato de trabalho, com a consequência de ser o empregador quem tinha de provar que não estávamos perante um contrato de trabalho.
O problema eram as várias alíneas do artigo.
Era praticamente impossível estarem todas preenchidas, pelo que nunca se presumia coisa nenhuma e o trabalhador é que tinha sempre de provar a existência de um contrato de trabalho.

4. Nova presunção da existência de um contrato de trabalho

Agora, com a aprovação destas alterações ao código de trabalho (as outras incidiram sobre os IRCT’s, que para agora não nos interessam), esta presunção está muito mais simplificada, ora vejam:

Artigo 12.º - [...]
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.


Basta isto para se presumir que existe contrato de trabalho.

Mas atenção que isto tem sempre de ser provado pelo trabalhador (através de colegas, organigrama da empresa, recibos/depósitos bancários, amigos que testemunhem que ele ia para lá todos os dias, etc.).

5. Consequência

A consequência da presunção é a inversão do ónus da prova para o lado da entidade patronal.
Serão os empregadores quem tem de provar que naquela relação não existia qualquer contrato de trabalho (pois o trabalhador não recebia ordens, não estava inserido na hierarquia da empresa, etc.) mas sim uma prestação de serviços, ou um contrato de agência, ou uma outra coisa qualquer.
Apesar de isso já suceder no anterior art. 12º. com esta nova redacção facilita-se a existência de uma presunção de contrato de trabalho.
Se era difícil provar a presunção no anterior art. 12º, porque as diversas alíneas eram difíceis de provar, o mesmo já não sucede com a nova redacção, que parece bem menos exigente.
Se os empregadores não conseguirem provar, azar. Têm de ter justa causa para despedir, têm de pagar os vários subsídios, têm de dar férias, têm de pagar trabalho suplementar, etc.

DEZ MITOS SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO

Atenção que este texto não pretende ser exaustivo nem elucidar todos os leitores.
O seu principal objectivo é tentar desmistificar, muito sucintamente, alguns dos mitos ainda existentes sobre o Direito do Trabalho.

1. NÃO É PRECISO UM ADVOGADO PARA SE CELEBRAR UM CONTRATO DE TRABALHO.

De facto até não é preciso mas qualquer entidade patronal tem um.
De certeza que esse contrato até foi feito pelo advogado da entidade patronal e qualquer trabalhador, que não percebe muitas das cláusulas que lá estão, não pode pensar que se safa sozinho.
Normalmente quando estamos doentes vamos ao médico, não decidimos sozinhos quais os medicamentos a tomar.
Até porque cada caso é um caso. O problema em questão deve ter várias especificidades que só com uma análise personalizada se podem perceber.

2. É PRECISO TER UM CONTRATO ESCRITO PARA SE TER UM CONTRATO DE TRABALHO.

Não, não é preciso.
Só em algumas situações se exige que o contrato de trabalho tenha forma escrita, por exemplo: contrato-promessa de trabalho, teletrabalho, contratos a termo, etc. (vejam o art. 103.º CT).
Para os restantes casos não é preciso qualquer contrato escrito.
Para existir uma relação laboral (com a consequência da aplicabilidade do Código do Trabalho) basta que haja uma prestação de actividade, subordinada e mediante retribuição.

3. NÃO ESTOU A EFECTIVO, POR ISSO POSSO SER DESPEDIDO A QUALQUER ALTURA.

Das duas uma: ou existe contrato de trabalho a termo ou não (v. ponto 4).
Se não existe, então o contrato é a tempo indeterminado, logo o trabalhador está efectivo (para usar esta terminologia tão bela).
A consequência de existir um contrato a termo é o trabalhador poder ser dispensado na data prevista do termo.
Pelo contrário, a boa consequência de haver um contrato a tempo indeterminado é o trabalhador não poder ser mandado embora quando terminar o suposto prazo, ou seja, para ser despedido tem de haver sempre justa causa.

4. TENHO UM CONTRATO A PRAZO.

De certeza?
É melhor confirmar.
É que as entidades patronais têm tendência para celebrar contratos de trabalho a termo certo/prazo só porque sim. E porque sim não basta.
A nossa lei exige que haja motivo justificativo para que seja aposto um termo a um contrato de trabalho (v. n.ºs 2 e 3 do art. 129.º).
Se não houver qualquer motivo justificativo ou se o motivo justificativo não for um dos permitidos por lei, o contrato não é a termo mas a tempo indeterminado (v. n.º 2 do art. 130.º), com a consequência mencionada no 3.º parágrafo do ponto 3.
Mas aqui há mais um interessante pormenor. Se este contrato a termo/prazo não for reduzido a escrito (entre outros requisitos, v. ponto n.º 1), a consequência é não haver qualquer termo/prazo e, novamente, o trabalhador estar efectivo.

5. FIZ ASNEIRA E AGORA O MEU PATRÃO DEIXA-ME O TEMPO TODO NUMA SALA SOZINHO E SEM TRABALHO, E EU NÃO POSSO FAZER NADA CONTRA ISSO.

Se isto acontece, o empregador está a obstar, injustificadamente, à prestação efectiva de trabalho
O empregador está a violar o direito de ocupação efectiva do trabalhador e, por isso, pode ser condenado a pagar uma sanção pecuniária por cada dia em que não dê trabalho, nos termos do art. 829.º-A do Código Civil.
E mais: se o trabalhador cometeu alguma asneira terá sempre de ser instaurado um processo disciplinar antes da aplicação de qualquer sanção disciplinar, seja esta sanção o despedimento ou uma mera repreensão.
Se isso não acontecer, a sanção que o empregador aplicar é ilícita.

6. O MEU PATRÃO PODE DESPEDIR-ME QUANDO QUISER.

Infelizmente ainda há muita gente que acredita que isto realmente se passa assim.
Se o contrato é a tempo indeterminado (e atenção, ver novamente o ponto 4 porque tem consequências também aqui) o trabalhador só pode ser despedido se tiver um comportamento de tal maneira culposo que, pela sua gravidade e consequências, torne impossível a continuação da relação com o empregador, nomeadamente os comportamentos que constam do n.º 3, do art. 396.º.
Mas atenção, não é mandar embora e acabou.
Tem sempre de haver um procedimento disciplinar, senão o despedimento é ilícito e o trabalhador tem de ser integrado novamente.
O referido procedimento disciplinar tem, mais ou menos, os seguinte passos: (i) tem de haver uma comunicação ao trabalhador da intenção de despedir, acompanhada de uma nota de culpa; (ii) o trabalhador pode consultar o processo e apresentar provas (testemunhas, documentos, etc.); (iii) o trabalhador tem sempre de ser ouvido; (iv) e, por fim, nem sempre a decisão pode ser o despedimento (exige-se razoabilidade na decisão).

7. O MEU PATRÃO DÁ-ME OS DIAS DE FÉRIAS SE QUISER E OS QUE QUISER.

Não.
Mas se, por um mero acaso, o empregador não deixar o trabalhador gozar férias, este tem direito a receber o triplo da retribuição correspondente
Um ponto que muita gente não percebe são os dias de férias a que têm direito. Estes são, no mínimo, 22 dias úteis.
Este número pode ser aumentado até 25 dias úteis se o trabalhador se portar bem e tiver uma bela assiduidade.
E atenção: este aumento não é uma possibilidade do empregador mas, muito pelo contrário, um direito legalmente concedido ao trabalhador, ou seja, uma imposição legal.

8. O MEU PATRÃO OBRIGA-ME A FAZER HORAS EXTRAORDINÁRIAS E NÃO ME PAGA.

Não paga mas devia.
Além do mais, os empregadores não podem usar o trabalho suplementar de forma a impedir a contratação de outros trabalhadores.
Ou seja, uns trabalhariam mais horas para que não se contratassem outros. Isto é proibido por lei.
Para evitar tal situação existem os limites legais do art. 200.º.
Até porque pode haver trabalho suplementar se houver acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique a admissão de outro(s) trabalhador(es).
A consequência de o trabalhador prestar trabalho suplementar é ter direito a um descanso compensatório e a uma contrapartida económica.

9. O GOVERNO ESTÁ A VIOLAR O MEU DIREITO À GREVE, POIS IMPÔS SERVIÇOS MÍNIMOS.

Pois é, não só os empregadores que erram.
É verdade que com os serviços mínimos há uma limitação do direito à greve, pois quem quer aderir não o pode fazer.
Só que a greve é isso mesmo, “apenas” um direito.
Assim sendo, tal como todos os outros direitos, deve ser exercido dentro de padrões de razoabilidade.
Havendo necessidades sociais impreteríveis (p.ex. serviços médicos, energia, águas, bombeiros, etc.) há obrigação legal (e até moral) de prestar serviços mínimos.
É, no mínimo, inconsciente o que alguns sindicatos dizem quando desejam protagonismo.

10. ISTO É TUDO MUITO BONITO MAS A VERDADE É QUE SE ME QUEIXAR O MEU PATRÃO DESPEDE-ME.

O governo não é assim tão inconsciente e, obviamente, arranjou uma solução para este problema gravíssimo.
É importante que o trabalhador guarde toda a informação sobre o que tem direito, p. ex. trabalho suplementar que não foi remunerado, férias que não foram gozadas, subsídios que não foram pagos, violação do direito de ocupação efectiva, etc.
Depois, qualquer trabalhador tem um ano após o fim do contrato de trabalho para reivindicar tudo a que tem direito.
Todos sabemos que durante a vigência do contrato há algum constrangimento do trabalhador a fazer exigências ao empregador, assim sendo a lei dá um ano após o fim do contrato de trabalho para que o trabalhador peça tudo o que se encontra em falta.
Por fim, também aqui será melhor ler novamente o ponto 1.
Este texto responde a estas questões de uma forma muito genérica, pelo que não deve ser transposto para quaisquer casos particulares.
Os advogados não são tão caros como se pensa (afinal deviam ser 11 mitos) e, no que toca ao Direito do Trabalho, os processos são céleres e, ainda por cima, existe a possibilidade de o Ministério Público defender os trabalhadores.