quinta-feira, março 10, 2005

Privacidade nula

Um administrador de sistemas informáticos de uma empresa questiona no gildot "até que ponto é legal monitorizar emails de utilizadores", dúvida proveniente de uma ordem dos directores da sua empresa.

Parece-me óbvio que a privacidade e a integridade moral das pessoas são direitos protegidos por lei. Mesmo quando não existem leis, existe uma fronteira de ética e de respeito pelos outros que não deve ser transgredida. Este caso transpõe essa fronteira, assim como me parece ultrapassar a fronteira da legalidade.

Foquemos os factos. Na Web verifiquei uma grande tendência implementada, principalmente nos Estados Unidos da América, para a monitorização de ligações e emails dos trabalhadores das empresas. Este artigo refere que 44% das grandes empresas Americanas pagam a pessoas para lerem os emails dos empregados, tendo esta percentagem tendência a crescer.

Focando no cenário nacional, ao falar com algumas pessoas, apercebi-me que esta prática também é usada em Portugal. Houve até referência a uma pessoa que foi despedida devido a emails seus conterem palavras menos próprias sobre a empresa onde trabalhava.

Do ponto de vista legal, e não sendo jurista, atrevo-me a dizer que esta prática é crime. Este sumário sobre "O Direito à Privacidade do Trabalhador" evidencia isso mesmo:

"Após a fixação dos termos em que os instrumentos de trabalho poderão ser utilizados, o empregador deverá informar devidamente os trabalhadores desses termos, nomeadamente quanto às eventuais restrições na utilização do telefone, correio electrónico e outros serviços disponíveis através do computador. O trabalhador deverá sobretudo ser informado das eventuais formas de controlo que o empregador poderá utilizar para verificar o cumprimento das regras de utilização desses instrumentos de trabalho, por forma a que tenha previamente conhecimento dos dados pessoais a que o empregador poderá ter acesso para efectivar esse controlo.

O controlo da utilização do telefone ou do correio electrónico encontra-se sujeito a determinados limites mais rigorosos. Na verdade, as chamadas telefónicas e as mensagens de correio electrónico provenientes do local de trabalho podem ser compreendidas na noção de comunicações privadas, o que desencadeará a aplicação de uma série de disposições legais que impedem o acesso ao respectivo conteúdo. Com efeito, a Lei portuguesa criminaliza o acesso indevido às comunicações, bem como à utilização de qualquer dispositivo de escuta ou de intercepção de comunicações. O empregador não poderá, assim, interceptar as comunicações telefónicas dos seus trabalhadores nem abrir e aceder às mensagens de correio electrónico dos mesmos quando estas mensagens sejam de natureza privada e os trabalhadores não tenham dado consentimento para o efeito. Deste modo, nos casos em que o empregador estabeleça restrições à utilização do telefone ou do correio electrónico e pretenda controlar o cumprimento destas restrições, apenas poderá tratar dados que permitam aferir esse cumprimento por outra forma, sem aceder ao seu conteúdo."

Deixo-vos também dois artigos na Lei Nº 35/2004, de 29 de Julho (regulamenta a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho):

Artigo 28.º - Utilização de meios de vigilância a distância
1 - Para efeitos do n.º 2 do artigo 20.º do Código do Trabalho, a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
2 - A autorização referida no número anterior só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objectivos a atingir.
3 - Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho.
4 - O pedido de autorização a que se refere o n.º 1 deve ser acompanhado de parecer da comissão de trabalhadores ou, 10 dias após a consulta, comprovativo do pedido de parecer.

Artigo 472.º - Utilização de meios de vigilância a distância
1 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 do artigo 28.º
2 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 3 do artigo 28.º

Sendo estas acções crime, deve-se fazer queixa às entidades competentes, tal como:
- Comissão Nacional de Protecção de Dados
- Inspecção Geral do Trabalho

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Antes de andarem a induzir as pessoas em erro, vão saber primeiro o que são meios de vigilância a distância. O outro texto que referem não é lei... é uma "opinião".
Metam uma coisa na cabeça. O endereço de email é da empresa, o espaço em disco é da empresa. Se voçês vão para a rua com justa causa por andarem a tirar fotocopias na empresa para trabalhos do filho ou a fazer telefonemas pessoais para o Brasil, pq raio é que usarem o email para fins pessoais ou menos próprios não dá direito "à rua" ? Deixem de ser ursos... quem usa o email do trabalho abusivamente para andar a mandar anedotas ou em proveito próprio sujeita-se. Não adianta andar com poesias de "direitos do trabalhador". E esqueçam a privacidade... o "canal de comunicação" não é vossa propriedade, é um recurso de terceiros.

11:04 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Meios de vigilância a distância não incluem só meios de videovigilância.

A opinião a que te referes é muito bem fundamentada com leis.

O canal não é dos trabalhadores, mas o conteúdo transferido nele é. Fazendo uma analogia, o teu carro não é propriedade da Brisa quando passas nas suas estradas.

O patrão tem o direito de exigir que façam apenas trabalho para que são pagos, mas isso não lhe dá a autoridade de vasculhar a vida privada das pessoas.

11:42 da manhã  
Blogger hugo besteiro said...

A opinião do anonymous é uma perfeita anormalidade.. Acha ele então que dado a propriedade do canal de comunicação ser do patrão pode ver qualquer conteúdo das comunicações dos trabalhadores!!! No mínimo rídiculo.
Num ponto extremo se o patrão quiser que o canal só se use para serviço deve definir regras de utilização (filtros de entrada e/ou saida). Nunca a visualização dos conteúdos!!!

4:02 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Discordo completamente da opinião do senhor ou senhora "Anonymous".
Em primeiro lugar, chamar urso às pessoas é falta de educação. Se não quer ler, não leia. Se não quer concordar, não concorde. Mas seja ao menos bem-educado.
Se não tem noção de que deve ser respeitado enquanto pessoa, azar o seu. Não queira que outras pessoas vejam a privacidade invadida graças ao que você pensa.
Os exemplos que você deu são próprios de alguém que gostaria de ter os benefícios que citou, mas que como não o conseguiu, ficou com "dor de cotovelo".
E quanto a poesias de "direitos de trabalhador"... Se quiser ir fazer umas horas extras por mim está à vontade.
Espero sinceramente que um dia tenha a noção de que os trabalhadores têm direito ao respeito e à privacidade.
Quando quiser criticar, critique. As ideias são sempre bem-vindas. Mas por favor, transforme-as em algo construtivo.

8:45 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Após a fixação dos termos em que os instrumentos de trabalho poderão ser utilizados, o empregador deverá informar devidamente os trabalhadores desses termos, nomeadamente quanto às eventuais restrições na utilização do telefone, correio electrónico e outros serviços disponíveis através do computador.

O patrão definiu os critérios. presumo que o objectivo de controlar os emails é derivado do facto de ter estabelecido que o email só deve ser usado para serviço.

Como disse alguém o email, a banda, o tráfego, o disco, as horas gastas... tudo é por conta do patrão.

Uma coisa é defender os Direitos do Trabalho e outra é querer garantir o direito ao abuso.

Já fui trabalhador por conta de outrém e não é por isso que a minha opinião muda. Já na altura pensava o mesmo sobre o uso dos recursos dos diversos patrões.

1:26 da manhã  

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